quarta-feira, 14 de julho de 2010

13

        Meu quarto é pequeno. Tamanho suficiente para a cama de casal, os armários e um espaço em "L" entre os dois. A luz acesa dá um tom amarelado ao ambiente. Com meu consentimento dividimos a cama. Ela, por algum motivo, nada grave, precisa passar uma ou mais noites aqui. É apenas uma garota que, apesar de bonita, agradável e de estar com seu corpo repousado próximo ao meu, não desperta em mim nenhum sentimento além de amizade e respeito. Seu namorado bate na porta e entra devagar. Diferente do que eu esperava, ele não se descontrola ao ver sua companheira entre as cobertas de minha cama, embora seja nítido o desconforto que tenta velar sob as falsas expressões de seu rosto. Ele diz a ela que vai passar o domingo fora, resolvendo algumas coisas e que ela pode utilizar seu notebook, que deixou configurado para o uso dela. Coloca o computador sobre a cama. Ela agradece. Ele se despede e sai. Eu termino de me vestir para o trabalho.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

12

        O presidente do Senado está no litoral. Eu e um grupo de pessoas, creio que em sua maioria senhoras, aguardamos sua chegada em frente ao portão da casa. Não entendo porque estamos esperando por alguém tão malvisto pela sociedade. As senhoras têm em mãos rosas cor-de-rosas para entregar-lhe. Minha tia Dolores dá-me uma para que eu também a entregue. A flor tem espinhos, é incômodo segurá-la. Tento removê-los, mas me machucam. Então, desisto. O presidente se aproxima. Caminha mancando, apoiado em sua senhora. É mais velho do que eu imaginava. Seus cabelos são branquinhos e desgrenhados. As roupas, simples. Calça de moletom e camisa social. As mulheres chegam mais perto para a entrega das rosas. Numa última vã tentativa, tento a remoção dos espinhos. Antes de entregar-lhe, aviso-o para que tenha cuidado com eles. Por um breve momento, humanizei sua figura e tive compaixão por ela.

11

        No lugar em que deveria estar o fogão está a máquina de lavar roupas, na cozinha da antiga casa da Paulo Setúbal. Estou lavando as roupas a pedido da minha mãe. Não me sinto a vontade fazendo isso, acho que não sei lavar muito bem. O rapaz chega para me ajudar. Nunca o vi, mas sei que o conheço. Passo a ele o controle da máquina, que manuseia com muita habilidade. Abre a lavadoura de um modo diferente, deixando à mostra, em seu interior, passando por cima das roupas, duas chapas quentes de metal. Sobre elas arremessa quatro grandes e gordurosos hambúrgueres que, automaticamente, começam a fritar, levantando fumaça e espirrando gordura quente para todo o lado. Desesperado, tento impedi-lo de continuar, tento retirar a carne da chapa, peço que pare. Me bloqueia, me ignora, continua seu movimento. Clamo pela Lídia, que vem e nada pode fazer. Minha mãe procura me acalmar e fala, como se quisesse me lembrar, que ele tem problemas de ordem mental. Mesmo estando inconformado com a sujeira e a atitude, sigo em retirada, com o consolo das mãos da Lídia. Paro e olho para trás. Ele, ocupado com a fritura, gira suavemente a fronte em minha direção. Percebo, então, em seu olhar de dor, seus olhos azuis esbranquiçados.