sexta-feira, 5 de julho de 2013

25

        Sentado ao balcão, como meu pão com carne e ovo insosso e bebo minha cerveja nem tão gelada. Ele, gordo, chega agitado com um prato onde dois rissoles repousam sobre um guardanapo engordurado e senta ao meu lado, dois bancos à direita. Devora os salgados em quatro ou cinco mordidas. Olha para os lados, para mim. Finjo que não percebo. Olha para os lados, para mim. Finjo que não percebo. Olho para ele, ele para o outro lado, nervoso. Completo meu copo, que espuma. Dou um gole que levemente me trava a goela. Ele, rápido e desajeitado, arranca meu iPod, que ouvia pensando no prazer da solidão daquele momento. Sai apressado em direção à porta. Quebro a garrafa no balcão e a lanço em suas costas. Barulho estalado, gostoso. Sua bochecha se abre como massinha no piso frio e sujo. Naquele ponto de suas costas, onde repousa tranquilo o pedaço da garrafa, brota um círculo irregular de sangue e banha.

sábado, 13 de abril de 2013

24

        O cenário é o interior de um palácio indiano. O publico está ansioso para ver a apresentação dos palhaços de perna de pau. As crianças se amontoam nas galerias. Os palhaços se reúnem para combinar os últimos detalhes. Vagner, já paramentado com pernas, maquiagem e fantasia, entra no cômodo que serve de coxia e se dirige ao mezanino para dar início ao espetáculo. As crianças observam excitadas em direção ao mezanino. Ele desponta com seu sorriso de palhaço em passos largos e acelerados, um além da mureta. Queda... Perna, chão, costas, chão, cabeça, chão. Vagner está desacordado. Crianças berram, olham paralisadas, correm, se viram. Os outros palhaços se apressam para tentar ajudá-lo. Eu grito na coxia para que chamem o resgate. De sua cabeça corre o sangue. Da minha, a última esperança.

domingo, 7 de abril de 2013

23

        Eu e uma pequena multidão observamos do pier pai e filha felizes em um barquinho de madeira. A menina sorri com o pai, respondendo eufórica aos acenos que recebe, transbordando a emoção de estar pela primeira vez em um barco, flutuando sobre as águas. Uma enorme calda, linda e acinzentada, emerge do mar. Uma mistura de medo, espanto e encantamento preenche meu peito e congela minh'alma. A menina ri alto, o barco balança forte, o pai teme a morte. Uma espécie de jubarte com um focinho afinado como o de um golfinho salta e mergulha novamente agitando o mar e molhando a plateia, que corre, grita e se tromba sem saber o que fazer com o pânico que a inunda. Outras caldas, talvez dezenas delas, tão grandes quanto a primeira, cortam o manto verde do oceano, balançando cada vez mais forte o barco. A menina se inclina, o pai desesperado não a consegue segurar. Ela cai e é engolida pelas ondas. Um segundo é suficiente para eu me decidir a saltar e mergulhar por entre o chicotear das caldas e o alvoroço do mar. Resgato a menina e a deito no chão de madeira do pier. Seu rosto delgado está pálido. A vida parece ter se esvaído de seu corpo. Inicio uma massagem cardíaca e uma respiração boca a boca, como aquela que eu assisti em um curso. A menina tosse e cospe água.